Transcrevo na íntegra artigo imperdível de João Carvalho, publicado no Diário de Odivelas.
"Por estes dias, um amigo remeteu-me uma mensagem encorajando-me a acabar com uma determinada “monarquia” partidária, em Odivelas. Isto e o falhanço, episódico, do “regicídio” em que estive envolvido, trouxeram-me a estas considerações em torno da política actual, em Odivelas.
Pois, pese embora o facto do nosso concelho também se intitular republicano e laico, seja lá isto o que for, está povoado por reinos (a que alguns chamam partidos políticos), ou pelo menos por grupos que se comportam como cortes, com monarcas, mais ou menos absolutos, príncipes, monteiros-mor, chanceleres, e toda a espécie de servidores.
A sua vida corre deleitosamente entre festas, saraus, entremezes e jantares a propósito de tudo e de nada. Tratar do bem dos súbditos é que népia.
Todos? Bem, conheço melhor uns do que outros, de modo que deixo ao critério dos “súbditos” de cada um a questão da carapuça.
E aqui entra “O Príncipe” de Nicolau Maquiavel.
Um dos seus capítulos diz respeito à melhor maneira de ter os súbditos na mão.
E Maquiavel, decididamente, aconselha vivamente o seu Príncipe a usar o medo como arma, em vez, por exemplo, do amor.
Porquê? Porque de entre todos os sentimentos que povoam a mente e o coração dos homens, o mais decisivo, determinante e poderoso é o medo. Controlam-se mais facilmente indivíduos amedrontados.
Nas sociedades modernas, e Odivelas passa por sê-lo, o medo provocado pelos líderes políticos tem variantes curiosas.
O maior medo é o de que os políticos sejam todos iguais.
Quem está no poder esforça-se, entre outras coisas, por calar as oposições, nomeadamente as internas, não dando possibilidades para que essas vozes sejam conhecidas e ouvidas, chegando ao ponto de controlar meios de comunicação para obviar ao seu conhecimento pelos militantes e população em geral.
As suas sedes estão quase sempre fechadas, nada fazem para mostrar o que vai dentro, e muito menos promovem a discussão e o debate interno.
Sobra o tempo das eleições, que é sempre curto, e em que os militantes olham de soslaio para as súbitas arremetidas dos candidatos.
No fim isto leva às grandes abstenções que favorecem quem está no poder, pois quem fica em casa é que é a maioria que pode mudar as coisas.
Relacionado com este medo está o medo de votar, ou o medo no acto de votar. Estranho, não é? Como, sendo o voto secreto?
Mas quem esteve, nos últimos sete meses, numa mesa de voto partidária, em quatro eleições, compulsando os cadernos eleitorais, assistindo ao desfile das diversas “famílias”, devidamente enquadradas e sabendo das ausências, sabe que muitos são “obrigados” a votar em determinado sentido e outros preferem não ir votar para não correrem o risco de ser contabilizados no lado oposto.
E porquê?
Por causa de outro medo.
O do desemprego. O desemprego político e o outro, o próprio, o do ganha-pão.
Escuso de relatar detalhes deste tipo de medo com que alguns líderes políticos manipulam os seus correligionários. É uma praga em Odivelas. Basta pensar que, entre Câmara Municipal, Empresa Municipal e Juntas de Freguesia, todos juntos, se encontram dos maiores empregadores no concelho.
Apesar de o Centro de Emprego ser em Loures, escusamos de reclamar um para Odivelas, porque as sedes de vários partidos fazem bem esse papel.
Há ainda o medo da mudança.
Que é o medo de perder as referências mais próximas, as caras que já se sabe onde estão e o que fazem, mesmo que o façam mal; mesmo que só sirvam para adiar, prometer e não cumprir.
Mas, pessoalmente, o medo que mais me impressiona e me preocupa, é o medo nos jovens.
Porque eles são, por natureza, destemidos, pouco se preocupam com o “status quo” e são sempre abertos à mudança.
A vida actual catapultou para a actividade política muitos jovens interessados em adquirirem competências e estatutos que contribuam para melhorar a sociedade.
Isto é louvável e legítimo.
Como então, mal começam, se deixarem enfeudar a caciquismos obsoletos, a fracas promessas, a míseras benesses, a grupinhos sem ética nem valores, permitindo, em suma, que outros decidam por eles?
Enfim, e em geral, podendo ser águias, porque nos comportamos como galinhas?
Por quanto mais tempo vamos ter de conviver com este tipo de medos em Odivelas?
Até ao momento em que as pessoas, os militantes, os cidadãos se decidam, primeiro, a não ter medo de enfrentar o medo.
Se decidam a pensar no que verdadeiramente conta para se andar na rua de cabeça erguida e consciência limpa.
Se decidam a começar a importar-se quando lhes apontarem o dedo como tíbios ou invertebrados.
Quando conseguirmos ultrapassar este dilemas interiores, não há nenhum “Príncipe” que nos meta medo."
João Carvalho
Jurista
jrlcarvalho@sapo.pt
Diario de Odivelas
6 Jul 2010
08:08
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